Importar ou exportar não é como fazer uma compra online comum. Quando uma empresa cruza fronteiras comerciais, ela entra num terreno regulado por leis nacionais, tratados internacionais, exigências fiscais e normas aduaneiras que precisam ser seguidas à risca. Qualquer deslize pode resultar em multas, atrasos, apreensão de mercadoria — ou até sanções mais sérias.
Por isso, entender a base legal do comércio exterior no Brasil é fundamental. Não basta ter um produto competitivo ou uma boa negociação internacional: é preciso operar dentro do que a lei permite. Isso vale tanto para grandes exportadores quanto para pequenos importadores que estão começando agora. Conhecimento jurídico nesse setor é proteção — e também estratégia.
Mas o sistema jurídico que rege o comércio exterior brasileiro não está concentrado em uma única legislação. Pelo contrário, ele é formado por um conjunto de leis, decretos, instruções normativas, tratados e acordos internacionais que se complementam. E, como tudo em direito, essas normas também mudam com o tempo — o que exige atualização constante.
Nos próximos tópicos, vamos percorrer os principais marcos legais que regulam as operações de importação e exportação no Brasil. E no quinto tópico, vamos mostrar como a formação técnica se encaixa nesse universo jurídico e por que ela se tornou essencial para quem atua no setor. Preparado para mergulhar na base legal do comércio internacional?
A Constituição Federal e a base legal do comércio exterior
Tudo começa no topo da pirâmide jurídica: a Constituição Federal de 1988. No artigo 237, ela determina que a fiscalização e o controle das operações de comércio exterior são atribuições da Receita Federal, estabelecendo que cabe à União legislar sobre tarifas alfandegárias e normas comerciais internacionais. Ou seja, é a partir desse princípio que o restante do arcabouço legal é estruturado.
Além disso, a Constituição também garante a liberdade econômica (artigo 170), que inclui o livre comércio, desde que respeitadas as exigências legais e o interesse nacional. Isso significa que qualquer empresa tem o direito de importar ou exportar, mas deve seguir as regras impostas pelo Estado brasileiro — inclusive as que tratam de proteção à indústria nacional e segurança.
A Carta Magna, portanto, não traz normas operacionais, mas estabelece as diretrizes que embasam toda a legislação infraconstitucional. É ela que legitima o controle aduaneiro, as barreiras tarifárias, os acordos internacionais e os mecanismos de defesa comercial. Entender esse ponto de partida é essencial para compreender todo o sistema regulatório.
Lei nº 9.279/96 e a proteção da propriedade industrial
Quando falamos de exportações e importações, não estamos lidando apenas com mercadorias — estamos lidando também com marcas, patentes, desenhos industriais e tecnologia. Por isso, a Lei nº 9.279/96, que regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial no Brasil, é um marco essencial para o comércio exterior.
Essa lei garante, por exemplo, que produtos importados não violem marcas registradas no país ou patentes em vigor. Também protege o exportador brasileiro contra o uso indevido de suas criações em mercados internacionais, desde que o registro tenha sido feito nos países de destino. Ou seja, além de cuidar da logística e da legislação tributária, é preciso cuidar também do lado intelectual da operação.
Em termos práticos, isso significa que antes de importar um produto, é recomendável consultar o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) para evitar infrações. Já para exportar, vale registrar a marca e verificar a legislação do país de destino, evitando surpresas desagradáveis lá fora. O comércio moderno é tão jurídico quanto técnico.
Decreto-Lei nº 37/66 e a estrutura do controle aduaneiro
Esse é um daqueles marcos históricos que ainda têm grande relevância. O Decreto-Lei nº 37, de 1966, estabelece as normas gerais de tributação e fiscalização das operações de comércio exterior, sendo a base da estrutura aduaneira brasileira. Mesmo com alterações ao longo dos anos, ele continua em vigor e é citado com frequência em processos e decisões do setor.
O decreto define conceitos importantes como “zona primária”, “regime aduaneiro especial”, “desembaraço” e “declaração de importação”. Também estabelece as competências da autoridade aduaneira, os prazos para despacho e as penalidades aplicáveis em caso de infrações. É um texto denso, mas essencial para qualquer profissional que lida com importação ou exportação.
Além disso, o Decreto-Lei nº 37/66 abriu espaço para a criação de normas complementares — como instruções normativas da Receita Federal e resoluções da Camex — que detalham a aplicação prática da legislação. Na prática, ele funciona como a espinha dorsal do sistema aduaneiro nacional, e continua sendo referência obrigatória nas operações internacionais.
Tratados e acordos internacionais com efeito jurídico no Brasil
O Brasil é signatário de diversos tratados e acordos internacionais que têm efeito direto sobre o comércio exterior. Esses instrumentos podem ser bilaterais, quando firmados entre dois países, ou multilaterais, quando envolvem vários signatários — como os acordos da OMC (Organização Mundial do Comércio) ou do Mercosul.
Esses acordos definem regras sobre tarifas, barreiras técnicas, subsídios, propriedade intelectual, normas sanitárias, regras de origem, entre outros pontos. E uma vez que o Brasil ratifica esses tratados, eles passam a ter força de lei no território nacional. Ou seja, uma empresa que descumpre um acordo internacional também está infringindo a legislação brasileira.
Alguns exemplos importantes são o Acordo de Facilitação de Comércio da OMC, os protocolos do Mercosul sobre regras de origem e os tratados de livre comércio com países da América Latina. Manter-se atualizado sobre esses acordos é vital para não operar em desacordo com as normas — e evitar prejuízos com restrições ou sanções comerciais.
Formação técnica e conhecimento da legislação aplicada
Não dá pra operar com segurança jurídica no comércio exterior sem conhecer a legislação aplicável. E é por isso que a formação técnica se tornou tão relevante nesse setor. O técnico em Comércio Exterior é preparado para lidar com todos os aspectos legais de uma operação internacional — desde a classificação fiscal até a emissão correta dos documentos exigidos por lei.
Durante o curso, esse profissional aprende sobre a legislação aduaneira, normas da Receita Federal, uso do SISCOMEX, regimes especiais, tratados internacionais e compliance regulatório. Ele se torna capaz de interpretar leis e aplicar esse conhecimento na prática do dia a dia — algo essencial para evitar erros e garantir operações seguras.
Na prática, isso significa que empresas que contam com técnicos qualificados estão menos expostas a riscos legais. Elas operam com mais precisão, cumprem prazos e se adaptam mais rápido a mudanças na legislação. Conhecimento técnico e jurídico andam juntos no comércio exterior — e a formação é o primeiro passo para essa união dar certo.
Outras normas complementares e órgãos reguladores
Além das grandes leis e tratados, há uma série de normas complementares que também regulam o comércio exterior brasileiro. Instruções normativas da Receita Federal, resoluções da Camex (Câmara de Comércio Exterior), portarias do Ministério da Agricultura e normativas da Anvisa são apenas alguns exemplos. Cada tipo de produto pode estar sujeito a um conjunto específico de regras.
Exportar alimentos, por exemplo, exige seguir padrões sanitários internacionais e obter certificações específicas. Já importar eletrônicos exige laudos técnicos e registros junto à Anatel. Ou seja, a legislação varia conforme o setor — e isso exige atenção redobrada por parte das empresas e dos profissionais envolvidos.
Também é importante conhecer os principais órgãos envolvidos nas operações: Receita Federal, Banco Central, Anvisa, Inmetro, Vigiagro, MAPA, entre outros. Eles atuam na fiscalização, aprovação e controle das transações internacionais. Saber dialogar com essas instituições é parte fundamental do sucesso nas operações de comércio exterior.