Um serviço técnico mal feito pode até parecer só um incômodo momentâneo: o cliente reclama, o profissional volta, refaz — e segue o jogo. Mas nem sempre é tão simples assim. Em muitos casos, um erro técnico pode gerar prejuízos grandes, acidentes graves e, principalmente, consequências legais que nem todo profissional leva em conta até a dor de cabeça chegar.
Seja no setor hidráulico, elétrico ou de manutenção predial, a prestação de serviço envolve responsabilidade. E, legalmente, quem executa algo que compromete a estrutura, a segurança ou causa dano ao cliente, pode ser cobrado judicialmente. Isso vai de reparos simples a ações por perdas e danos, passando por processos cíveis e até criminais, dependendo do caso.
O problema é que muitos profissionais ainda não têm essa consciência jurídica. Acham que, se forem autônomos, estão “fora do alcance”. Ou que, por não ter CNPJ, não podem ser responsabilizados. Mas o Código de Defesa do Consumidor — e a própria legislação civil — diz o contrário. Responsabilidade técnica e responsabilidade civil caminham juntas, mesmo em serviços pequenos.
Vamos detalhar agora quais são os principais riscos legais relacionados a serviços mal executados, o que diz a legislação, como esses riscos afetam a rotina do técnico e por que trabalhar corretamente — com atenção e ética — é sempre o melhor caminho, inclusive para se proteger legalmente.
Danos materiais causados ao imóvel
Esse é o tipo de situação mais comum. Um serviço técnico mal feito pode gerar infiltrações, vazamentos, curto-circuitos ou falhas estruturais que danificam a propriedade do cliente. E, nesse caso, o profissional é responsabilizado civilmente pelos custos de reparo.
Imagine o cenário: um encanador no Brooklin instala uma tubulação nova sem vedação adequada. Dias depois, a água vaza pela parede, mancha o teto do vizinho e danifica móveis. O cliente pode acionar o profissional judicialmente, exigindo ressarcimento integral do prejuízo — incluindo os danos a terceiros.
Mesmo sem contrato formal, existe o chamado “vínculo de prestação de serviço”. E se ficar comprovado que houve falha na execução, negligência ou uso de material inadequado, o técnico será responsabilizado.
Por isso, manter registros do serviço, usar materiais corretos e emitir algum tipo de comprovante são formas não só de proteger o cliente — mas também o próprio profissional em caso de questionamento legal.
Acidentes com risco à integridade física
O risco fica ainda mais sério quando o erro técnico resulta em acidente pessoal. Uma instalação elétrica mal isolada que causa choque, uma ligação de gás mal feita que gera vazamento, ou até um aquecedor que não foi preso direito e despenca — tudo isso pode virar caso de polícia.
Um encanador na Mooca, por exemplo, que executa um serviço em um banheiro e deixa um ralo mal encaixado, pode ser responsabilizado se alguém escorregar e se machucar. O argumento jurídico é simples: havia uma obrigação de prestar um serviço com segurança — e isso não foi cumprido.
Nesses casos, além de indenização civil, o técnico pode responder por lesão corporal culposa. E sim, mesmo sendo autônomo ou informal. O Judiciário analisa a relação de causa e efeito entre o serviço mal executado e o acidente.
Daí a importância de seguir normas técnicas, usar EPIs adequados, respeitar o tempo de secagem de materiais e nunca assumir serviços para os quais não está qualificado. Não é só profissionalismo — é autoproteção.
Responsabilidade por vício oculto
Um erro técnico nem sempre aparece na hora. Às vezes, só dias — ou até meses — depois. Isso é chamado de “vício oculto”. E quando o problema surge, o cliente ainda pode acionar o profissional, mesmo que o serviço tenha sido feito há algum tempo.
Segundo o Código de Defesa do Consumidor, o prazo para reclamar de um serviço com vício oculto é de 90 dias a partir da descoberta do problema. Um encanador que instala um chuveiro com vazamento interno pode ter o erro descoberto semanas depois, quando a conta de água aumenta ou começa a infiltrar.
Se for comprovado que a falha veio da execução do serviço, o profissional deve corrigir sem custo adicional. E, se não fizer isso, o cliente pode entrar na Justiça exigindo ressarcimento — ou até contratar outro profissional e cobrar do primeiro.
Registrar o que foi feito, entregar nota de serviço e oferecer garantia por escrito são boas práticas que evitam conflitos e mostram ao cliente que o técnico leva o serviço a sério.
Implicações em serviços terceirizados
Outro ponto que muitos profissionais ignoram é o risco em serviços feitos em nome de empresas terceiras. Muitas vezes, o técnico é chamado por um parceiro comercial ou prestador de serviços maior — e mesmo sem vínculo direto com o cliente, ele pode ser responsabilizado legalmente.
Se um encanador atua dentro de um condomínio a pedido de uma administradora, e o serviço gera vazamento, tanto ele quanto a empresa podem ser acionados. E, dependendo do caso, a responsabilidade pode recair sobre quem executou, independentemente de quem contratou.
Por isso, é essencial alinhar responsabilidades antes de qualquer serviço em nome de terceiros. Ter um contrato, cláusula de responsabilidade e até um laudo técnico ajuda a deixar claro de quem é a obrigação em caso de falha.
Isso vale também para quem faz parceria com marketplaces ou apps de prestação de serviço. Mesmo que o cliente tenha contratado via plataforma, quem executa o serviço ainda responde legalmente pelo que for feito (ou mal feito).
Perda de reputação e processos por danos morais
Nem tudo se resume a danos materiais. Um serviço mal feito pode gerar aborrecimento grave, transtorno, perda de tempo e desgaste emocional para o cliente — e isso abre espaço para ações por danos morais.
Se o problema é reincidente, se o profissional se recusa a resolver, ou se o cliente se sente desrespeitado, o caso pode ir parar na Justiça — e o técnico pode ser condenado a pagar indenização, mesmo que o prejuízo material tenha sido pequeno.
Um eletricista que instala um sistema de iluminação e deixa os moradores uma semana no escuro, por exemplo, pode ter que responder judicialmente se for comprovado que agiu com descaso ou má fé.
A reputação também entra em jogo. Reclamações online, avaliações negativas, processos no Procon ou em sites de reclamação pública podem afetar diretamente a prospecção de novos clientes. E, numa era digital, onde tudo se espalha rápido, isso pode ser devastador para o negócio.
Atuação sem qualificação pode ser enquadrada como crime
Por fim, há um risco ainda mais sério: exercer atividade técnica sem qualificação legal. Algumas funções exigem formação específica, registro em conselho profissional (como o CREA) ou ao menos capacitação comprovada. Trabalhar sem isso pode ser considerado exercício ilegal da profissão.
Um eletricista que faz alterações em um quadro de força sem habilitação técnica pode, em caso de acidente, responder criminalmente. E não adianta dizer que “o cliente aceitou” — a responsabilidade por atuar dentro da lei é sempre do profissional.
Por isso, buscar certificações, manter os cursos em dia e atuar dentro daquilo que se domina são atitudes fundamentais. Isso protege o cliente, a obra e — principalmente — o próprio técnico de problemas legais sérios.
No fim das contas, fazer bem feito é mais do que ética ou reputação. É segurança jurídica. É construir uma carreira técnica com base sólida, protegida e respeitada — dentro e fora da lei.