Transferir ICMS entre filiais tem regras claras?

Por Parceria Jurídica

29 de maio de 2025

Quando uma empresa tem mais de um estabelecimento em diferentes estados ou cidades, a gestão do ICMS pode se tornar um verdadeiro desafio logístico e contábil. Isso porque cada unidade funciona como uma pessoa jurídica distinta para fins fiscais — mesmo que todas estejam sob o mesmo CNPJ raiz. E quando há acúmulo de créditos em uma filial que não consegue utilizá-los, surge a dúvida: é possível transferir esse saldo para outra unidade da mesma empresa?

A resposta, em teoria, é sim — mas na prática, a história é bem mais complexa. A transferência de crédito de icms entre estabelecimentos do mesmo titular possui regras específicas, limitações operacionais e depende da autorização da Secretaria da Fazenda do estado envolvido. Além disso, cada unidade federativa pode impor condições diferentes, o que exige uma análise bem cuidadosa antes de iniciar o processo.

Esse tipo de movimentação pode fazer muita diferença no planejamento tributário da empresa. Afinal, créditos parados significam dinheiro imobilizado — e, em muitos casos, a filial que mais precisa pagar ICMS é justamente a que tem menos crédito acumulado. Gerir isso com inteligência é uma forma de equilibrar o caixa fiscal e evitar o desperdício de recursos.

A seguir, vamos explorar em detalhes como funciona essa operação, quando ela é permitida, quais os cuidados necessários e o que fazer para manter a conformidade fiscal em todo o processo. Porque se feita da forma errada, a transferência de créditos pode acabar virando um passivo.

 

O que diz a legislação sobre a transferência entre filiais

O ponto de partida é entender que o ICMS é um tributo estadual. Isso significa que, para que uma transferência de crédito entre filiais ocorra legalmente, ela precisa respeitar as regras da legislação do estado de origem — ou seja, do local onde o crédito foi gerado. A maioria dos estados admite essa operação, mas sempre com base em critérios e procedimentos específicos.

Segundo o Convênio ICMS 174/23 (que substitui o antigo Convênio 190/17), a transferência só pode ser feita entre estabelecimentos do mesmo titular, devidamente inscritos nos cadastros estaduais e com situação fiscal regular. Além disso, a autorização da Sefaz é geralmente obrigatória, e pode haver a necessidade de justificar o acúmulo e o destino do crédito.

Por isso, qualquer tentativa de transferência de crédito icms sem respaldo legal pode ser interpretada como manobra fiscal e gerar autuação. A recomendação é sempre realizar esse processo com base em parecer técnico, documentação completa e respaldo jurídico.

 

Quais créditos podem ser transferidos?

Nem todo crédito acumulado pode ser transferido. A legislação costuma permitir o uso de créditos originados de exportações, aquisição de bens para o ativo imobilizado, energia elétrica utilizada na produção e insumos, entre outros. Mas, atenção: tudo depende do tipo de operação que gerou o crédito e das regras do estado em questão.

Por exemplo, se uma filial tem acúmulo de crédito por vender para a Zona Franca de Manaus, esse valor pode ser transferido, desde que comprovada a origem e mantida a rastreabilidade dos documentos fiscais. Já créditos oriundos de devoluções ou operações sujeitas a regimes especiais podem ter restrições maiores.

Outro ponto importante: os valores precisam estar devidamente escriturados, conciliados com os livros fiscais e informados corretamente no SPED. Qualquer falha nesse processo pode inviabilizar a tranferencia de credito de icms e até levantar suspeitas de simulação de operações. Por isso, controle e documentação são palavras de ordem.

 

Documentação e processos para viabilizar a operação

Para que a transferência de crédito entre filiais seja autorizada, é necessário formalizar um pedido junto à Sefaz. Esse pedido geralmente envolve a apresentação de relatórios detalhados, cópias de documentos fiscais, planilhas de apuração e, em alguns casos, laudo técnico ou parecer contábil que comprove o direito ao crédito.

Alguns estados exigem ainda que a empresa declare os valores no SPED Fiscal, utilizando CFOPs específicos e escrituração simultânea nas duas unidades envolvidas. É uma espécie de “espelho contábil”, onde a saída de crédito em uma filial corresponde à entrada na outra. E tudo precisa estar amarrado com base legal.

É essencial manter um dossiê com todos os registros da operação. Isso facilita futuras auditorias e permite contestar possíveis glosas do Fisco. Um erro no envio da documentação ou uma inconsistência na justificativa pode fazer a transferência crédito icms ser negada, atrasando o processo e prejudicando o planejamento financeiro da empresa.

 

Impactos contábeis e fiscais na filial recebedora

Receber um crédito transferido não é apenas lançar um valor positivo no sistema. A filial que recebe precisa ter estrutura contábil para validar esse crédito, comprovar sua origem e aplicá-lo de forma correta na apuração mensal do ICMS. Caso contrário, o valor poderá ser glosado ou, pior, gerar questionamentos futuros durante uma fiscalização.

Outro detalhe é que o crédito recebido deve ser utilizado para compensação com débitos próprios. Não é possível transferir novamente esse crédito ou usá-lo de forma indiscriminada. Tudo deve seguir os limites legais e o planejamento tributário da empresa.

Além disso, o recebimento do crédito precisa estar refletido corretamente no SPED Fiscal da unidade, com lançamento correspondente e vinculação documental. Sem isso, a movimentação pode ser considerada nula — e, nesse caso, a empresa perde o benefício sem nem saber. Ou seja, tão importante quanto transferir é saber registrar.

 

Riscos de glosa e cuidados preventivos

Mesmo que a legislação permita a transferência, o Fisco pode glosar o crédito se identificar falhas no processo. Os principais motivos para glosa são: falta de autorização prévia, ausência de documentação comprobatória, divergência de valores entre os registros das filiais ou créditos originados de operações não previstas em lei.

Além disso, mudanças na legislação estadual podem impactar operações já planejadas. Um estado pode alterar sua norma e passar a exigir critérios mais rígidos, inviabilizando a continuidade das transferências. Por isso, é importante manter acompanhamento constante das alterações legais e realizar auditorias internas periódicas.

A prevenção passa por controle interno rigoroso, acompanhamento técnico especializado e atualização dos sistemas fiscais. E claro, sempre que possível, contar com consultoria especializada para avaliar a viabilidade jurídica e contábil da operação antes de executá-la.

 

Quando vale a pena transferir crédito de ICMS?

Apesar da complexidade, a transferência de crédito pode ser uma solução inteligente para empresas que atuam com diversas filiais e têm grande volume de operações. Em especial, quando uma unidade acumula crédito sem conseguir utilizá-lo, enquanto outra paga ICMS mensalmente e precisa de alívio no caixa.

Esse tipo de movimentação pode melhorar o fluxo financeiro, aumentar a eficiência fiscal e até viabilizar novos investimentos. Mas, para isso, é preciso fazer tudo com base técnica sólida, planejamento detalhado e documentação impecável. A economia só vale a pena quando não vem acompanhada de riscos ocultos.

No fim das contas, a transferência de crédito de icms entre filiais é mais uma daquelas ferramentas fiscais que, se bem usada, vira vantagem competitiva. Mas se mal interpretada… vira autuação certa.

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