Quando o assunto é mineração, uma das discussões mais sensíveis — e controversas — diz respeito à exploração de recursos em áreas protegidas. Isso envolve parques nacionais, reservas biológicas, terras indígenas e outras zonas legalmente preservadas. A questão vai muito além de técnica ou economia: toca em meio ambiente, cultura, direitos constitucionais e interesses globais.
O Brasil possui um vasto território com potencial mineral, mas também carrega uma responsabilidade ambiental gigantesca. Afinal, abriga parte significativa da biodiversidade do planeta. E é justamente essa dualidade — riqueza no subsolo, fragilidade na superfície — que torna o debate tão complexo.
Quem se especializa na área, como quem faz o técnico em Mineração, sabe que operar nesses territórios exige conhecimento jurídico além da prática técnica. Há regras específicas, exigências ambientais rigorosas e, em muitos casos, uma tensão entre desenvolvimento econômico e conservação ambiental.
Nos tópicos a seguir, vamos entender o que diz a legislação brasileira sobre mineração em áreas protegidas. Quais são os limites, exceções, processos autorizativos e os principais pontos de conflito. Porque antes de furar o solo, é preciso conhecer a lei — e respeitar o que ela protege.
Áreas protegidas: o que são e como são classificadas
Antes de falar de mineração, é preciso entender o que caracteriza uma área protegida. No Brasil, a principal referência é o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), estabelecido pela Lei nº 9.985/2000. Ele define duas grandes categorias: Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável.
Nas de Proteção Integral (como parques nacionais, reservas biológicas e estações ecológicas), o objetivo principal é preservar a natureza, com uso muito restrito e geralmente proibitivo para atividades extrativas. Já nas de Uso Sustentável (como reservas extrativistas ou áreas de proteção ambiental), há margem para exploração controlada e com licenciamento.
Além dessas, existem terras indígenas, quilombolas e territórios de comunidades tradicionais que, embora não sejam classificadas formalmente como unidades de conservação, gozam de proteção constitucional. E também devem ser consideradas na análise de viabilidade de um projeto mineral.
Cada tipo de área tem regras diferentes — e os riscos jurídicos de não respeitar essas regras são altos. Saber exatamente onde a atividade será realizada é o primeiro passo para qualquer avaliação legal.
Mineração em unidades de conservação: o que é permitido?
Em regra geral, a mineração é proibida nas Unidades de Proteção Integral. Isso vale para parques nacionais, reservas biológicas e outras unidades com o objetivo exclusivo de preservação. Não há margem legal para atividade mineral nessas áreas, salvo exceções raríssimas e devidamente justificadas por interesse público.
Já nas Unidades de Uso Sustentável, como as Áreas de Proteção Ambiental (APA), a mineração pode ser autorizada, desde que respeite o plano de manejo da unidade, passe por licenciamento ambiental rigoroso e comprove que a atividade é compatível com os objetivos da área.
É importante lembrar que qualquer atividade em unidades de conservação federais ainda deve ser submetida à avaliação do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), responsável por gerir esses espaços. A autorização pode ser negada mesmo com licenciamento ambiental aprovado.
Ou seja: mesmo quando há brecha legal, o caminho não é simples. O empreendedor precisa alinhar jurídico, ambiental e técnico para obter permissão — e, ainda assim, estará sob constante fiscalização.
Terras indígenas e a Constituição Federal
O artigo 231 da Constituição de 1988 reconhece os direitos originários dos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam. E determina que sua exploração mineral só pode ocorrer mediante autorização do Congresso Nacional e com consulta prévia às comunidades envolvidas.
Na prática, isso significa que, até hoje, não há regulamentação específica que permita a mineração legal em terras indígenas — embora projetos de lei estejam em debate no Congresso há anos. Qualquer atividade que ocorra nessas áreas, sem autorização expressa, é considerada ilegal.
Além disso, o Brasil é signatário da Convenção 169 da OIT, que garante aos povos indígenas o direito à consulta livre, prévia e informada sobre qualquer ação que os afete. Isso inclui projetos de mineração em suas terras.
Portanto, a exploração mineral em territórios indígenas envolve uma das legislações mais sensíveis e protegidas do ordenamento jurídico brasileiro. Ignorar essas normas pode levar a embargos, processos e conflitos sociais sérios.
Licenciamento ambiental: um filtro rigoroso
Mesmo fora de áreas totalmente protegidas, qualquer projeto de mineração no Brasil precisa passar pelo licenciamento ambiental. E esse processo é ainda mais rigoroso quando há proximidade com áreas de preservação.
O licenciamento envolve a elaboração de estudos como o EIA/RIMA (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental), audiências públicas, avaliação de alternativas locacionais e cumprimento de condicionantes ambientais. A transparência e o envolvimento da comunidade são elementos centrais desse processo.
Em casos de áreas sensíveis, o órgão ambiental pode solicitar estudos complementares, medidas compensatórias ou até recusar o licenciamento, mesmo que a atividade seja legalmente possível. Isso mostra que a viabilidade jurídica não garante, por si só, a viabilidade ambiental.
Por isso, investidores e empreendedores do setor mineral devem ver o licenciamento como parte estratégica do projeto — e não como mera burocracia. Ele é, muitas vezes, o ponto de corte entre o sucesso e a inviabilidade da operação.
Sanções e penalidades para atividades irregulares
Quando a mineração é realizada em área protegida sem autorização legal, as consequências podem ser pesadas. O Código Florestal, a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) e normas específicas do SNUC estabelecem multas, embargos, perda de concessão e até prisão para responsáveis por danos ambientais.
Além disso, há a possibilidade de ações civis públicas movidas por Ministério Público, entidades ambientais ou associações da sociedade civil. O impacto pode ser financeiro, institucional e de imagem — especialmente em casos que ganham repercussão nacional ou internacional.
Muitas vezes, a empresa que atua ilegalmente perde muito mais do que o valor extraído. Perde credibilidade, mercado e, em alguns casos, o direito de continuar operando. E reverter esses danos pode levar anos — quando é possível.
Atuar dentro da legalidade não é apenas obrigação. É, cada vez mais, uma exigência de sobrevivência no setor.
Conflitos e o papel da sociedade
Mesmo quando a legislação permite, a mineração em áreas protegidas gera controvérsias. O debate não é apenas técnico ou jurídico — é político, social e ético. Envolve diferentes visões sobre desenvolvimento, soberania, conservação e justiça ambiental.
Organizações não-governamentais, comunidades locais e ambientalistas muitas vezes contestam projetos com base nos impactos acumulados, no risco à biodiversidade ou no desrespeito a culturas tradicionais. E cada vez mais, a opinião pública pesa nas decisões empresariais.
A mineração responsável precisa considerar esses aspectos desde o início do projeto. Transparência, diálogo, consulta e compensações justas são estratégias que ajudam a construir legitimidade — e reduzir conflitos.
No fim das contas, operar em áreas protegidas não é apenas uma questão de lei. É uma escolha de modelo de atuação. E essa escolha define o tipo de relação que o setor terá com a sociedade nos próximos anos.