Internação involuntária: o que diz a legislação?

Por Parceria Jurídica

14 de maio de 2025

Falar sobre internação involuntária é sempre delicado. Trata-se de um tema cercado de tabus, conflitos familiares e, acima de tudo, decisões difíceis. Afinal, tirar de alguém o direito de decidir por si mesmo é uma medida extrema — mas, em alguns casos, necessária. E a lei brasileira tem diretrizes bem claras sobre quando e como isso pode ser feito. Nem tudo é tão simples quanto parece.

Quando uma pessoa apresenta risco iminente para si ou para outros, por conta do uso abusivo de substâncias ou transtornos mentais graves, a internação involuntária pode ser o único caminho. Mas atenção: não se trata de “internar por vontade da família”. Existem protocolos legais, avaliações médicas e prazos a serem seguidos. E é exatamente aí que muita gente se confunde.

Nos últimos anos, surgiram diversas polêmicas e fake news sobre o tema. Tem gente achando que qualquer clínica pode internar alguém sem autorização. Outros acreditam que basta um familiar querer. Nenhum desses extremos é verdade. O processo legal é mais rígido e envolve responsabilidade profissional — principalmente médica e jurídica.

Então, se você está enfrentando essa situação, ou apenas quer entender melhor o assunto, este artigo vai te ajudar. Vamos explorar o que a legislação brasileira diz, os direitos do paciente, o papel da família e das instituições. E sim, também vamos falar das clínicas de recuperação, que muitas vezes são a primeira porta que se abre.

 

Quando a internação é legalmente permitida

A legislação brasileira permite a internação involuntária em três modalidades: voluntária, involuntária e compulsória. A involuntária, especificamente, ocorre sem o consentimento do paciente, mas com a solicitação de terceiros e a autorização médica. Isso está previsto na Lei nº 10.216/2001, que trata da proteção e dos direitos das pessoas com transtornos mentais.

A lei é clara: só pode haver internação involuntária quando há risco comprovado à integridade do próprio paciente ou de terceiros. Além disso, deve haver laudo médico justificando a necessidade e um prazo determinado para reavaliação do caso. Não é uma medida permanente, nem arbitrária.

As clínicas de recuperação que realizam esse tipo de internação precisam seguir protocolos específicos. Devem estar legalmente habilitadas, com profissionais registrados e prontas para acolher não apenas o paciente, mas também os familiares. Tudo deve ser documentado e comunicado ao Ministério Público estadual em até 72 horas.

 

O papel das clínicas e a escolha da instituição

Escolher uma clínica de recuperação para realizar uma internação involuntária exige cuidado. Não é apenas uma decisão emocional — envolve responsabilidade civil e penal. A instituição deve possuir alvarás de funcionamento, registro nos órgãos competentes e equipe multidisciplinar apta a lidar com emergências psiquiátricas e de dependência química.

Muitas vezes, no desespero de resolver a situação, famílias optam por locais sem estrutura adequada. E isso pode agravar ainda mais o problema. O ideal é buscar clínicas que tenham políticas de acolhimento humanizado, relatórios periódicos de acompanhamento e, principalmente, transparência nos processos. A internação deve ser parte de um plano terapêutico, e não um simples confinamento.

Vale lembrar que a legislação também protege o paciente contra maus-tratos. Toda internação, mesmo a involuntária, deve respeitar os direitos humanos, incluindo o direito à informação, à dignidade e ao tratamento adequado. Se houver indícios de irregularidades, o Ministério Público e a Defensoria Pública devem ser acionados.

 

Critérios clínicos para a internação por dependência química

No contexto do tratamento de dependentes químicos, a internação involuntária deve ser a última alternativa. Isso porque a lei prioriza abordagens ambulatoriais e o acompanhamento em liberdade. Mas, em casos de surto, risco à vida ou ausência total de discernimento, a internação pode — e deve — ser considerada.

Quem define isso não é a família, nem o diretor da clínica, mas um médico devidamente habilitado. O profissional deve elaborar um laudo técnico, justificando a necessidade e detalhando os sintomas observados. Isso garante que a medida seja baseada em critérios científicos e não em julgamentos pessoais.

Além disso, o tratamento deve ter metas claras de curto, médio e longo prazo. A internação não pode ser vista como um fim em si mesma, mas como uma etapa de estabilização. O paciente deve ser constantemente reavaliado, e sua permanência só pode ser mantida se os critérios iniciais continuarem válidos.

 

Internação por alcoolismo: o que muda?

Sim, existe diferença quando falamos de tratamento de alcoolismo. Apesar de o álcool ser uma substância legalizada, os efeitos do consumo abusivo podem ser tão destrutivos quanto os de outras drogas. Crises de abstinência, surtos psicóticos e agressividade são sintomas comuns em estágios avançados do alcoolismo — e, muitas vezes, exigem internação imediata.

O procedimento, do ponto de vista legal, é o mesmo: requer laudo médico, autorização formal e comunicação aos órgãos competentes. Mas o que muda é o olhar social. Por ser uma droga lícita e amplamente aceita, o alcoolismo muitas vezes não é levado a sério. Isso atrasa a busca por ajuda e agrava o quadro clínico.

As clínicas especializadas em alcoolismo geralmente têm abordagens adaptadas à realidade desses pacientes. O foco é tanto na desintoxicação quanto na reconstrução emocional, com apoio psicológico, psiquiátrico e familiar. Internar, nesses casos, pode ser uma medida de proteção e não um castigo — algo que a família precisa compreender.

 

Família, direitos e limites legais

Apesar de ser um dos principais agentes de solicitação da internação involuntária, a família não tem carta branca. Ela pode solicitar, sim, mas cabe ao médico decidir e à clínica, cumprir todos os protocolos legais. Ou seja: não adianta insistir ou pressionar se os critérios legais não forem cumpridos.

Também é papel da família acompanhar o tratamento, participar das reuniões e manter contato com a equipe terapêutica. Internar e esquecer o paciente lá dentro é, infelizmente, algo que ainda acontece. E isso compromete a recuperação. A presença e o apoio dos familiares são fundamentais para o sucesso do processo.

Do ponto de vista legal, os parentes devem ser informados sobre todas as etapas do tratamento, incluindo alta, intercorrências e evolução clínica. E, se o paciente apresentar melhora e puder retomar sua autonomia, a internação deve ser encerrada — mesmo que a família ainda deseje mantê-lo internado.

 

Fiscalização, denúncias e papel do Estado

A internação involuntária, por ser uma medida extrema, está sob constante vigilância do Estado. Ministério Público, Conselhos Regionais de Medicina e órgãos de fiscalização da saúde são responsáveis por investigar denúncias e garantir que os direitos dos pacientes estejam sendo respeitados.

Se houver suspeita de irregularidades — como internações sem laudo, maus-tratos, confinamento indevido ou falta de comunicação com o MP — qualquer pessoa pode denunciar. O processo é sigiloso e pode ser feito até de forma anônima. A lei existe para proteger o paciente, não para institucionalizá-lo à força.

É fundamental que o sistema funcione de forma ética, transparente e legal. A internação involuntária, quando bem aplicada, salva vidas. Mas, quando usada de forma indevida, pode causar traumas profundos. Por isso, o acompanhamento jurídico e social deve andar lado a lado com o tratamento clínico.

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