Cloud computing já virou padrão em empresas de todos os portes. A facilidade de escalar recursos, armazenar dados de forma remota e economizar com infraestrutura local é tentadora — e com razão. Mas com a chegada da LGPD, muita coisa mudou. E o que antes parecia simples, hoje exige atenção redobrada.
O problema? Nem todo mundo percebeu o tamanho da encrenca jurídica que pode estar se formando silenciosamente. A forma como os dados são coletados, armazenados, compartilhados e apagados passou a ter consequências legais — inclusive multas pesadas e sanções que podem afetar diretamente a operação de uma empresa.
É aí que entra o risco da cloud mal gerenciada. Muitos gestores acham que basta contratar um provedor confiável e “tá tudo certo”. Não tá. O provedor oferece a estrutura, mas a responsabilidade sobre os dados — sim, sobre o tratamento correto — continua sendo sua. E é justamente nessa divisão de responsabilidades que surgem os erros mais comuns.
Nos próximos tópicos, a gente vai mergulhar nos pontos críticos dessa relação entre nuvem e LGPD. Inclusive, se você usa backup em nuvem, talvez esteja expondo seus dados sem saber. Vamos entender onde mora o perigo?
Armazenamento sem consentimento adequado
Um dos pilares da LGPD é o consentimento. E isso não vale só para formulários de contato — qualquer dado armazenado em cloud precisa estar respaldado por uma autorização clara, específica e informada do titular. Agora pense: quantos dados sua empresa coleta e joga na nuvem sem essa formalidade?
É muito comum que setores de marketing, RH ou até atendimento ao cliente coletem informações por diversos canais e enviem para um armazenamento central. O problema é que, se o cliente nunca consentiu com isso (ou se a finalidade mudou e você não atualizou o consentimento), já temos aí uma infração.
E quando essa base está na nuvem, com acesso remoto por várias equipes e backups automáticos, a exposição aumenta. Não adianta pensar só na segurança digital — é a base jurídica que precisa estar sólida. Caso contrário, todo o resto desmorona junto.
Backups automáticos e o direito ao esquecimento
Esse é um ponto que poucas empresas consideram, mas deveria estar na lista de prioridades. A LGPD garante ao titular dos dados o direito de pedir a exclusão das informações — o chamado “direito ao esquecimento”. Mas… e quando esses dados já foram replicados em diversos backups automáticos na nuvem?
Você sabe dizer com certeza onde esses dados estão? Sabe em quantos pontos foram armazenados? E mais importante: sabe apagá-los de forma definitiva? Pois é, a maioria das empresas não tem essa resposta.
Os sistemas de backup em nuvem muitas vezes trabalham em ciclos contínuos, duplicando bancos inteiros. Isso é ótimo para segurança, mas péssimo quando se trata de exclusão granular. É preciso garantir que os dados apagados da origem também desapareçam das cópias — senão, juridicamente, você continua sendo responsável por eles.
Falta de controle sobre fornecedores terceirizados
Contratar uma empresa para gerenciar a cloud da sua organização parece prático, certo? E é mesmo. Mas isso não te isenta de responsabilidade. A LGPD é clara ao dizer que o controlador (você) responde pelos dados, mesmo que o operador (fornecedor) cometa o erro.
Se você não possui contratos com cláusulas específicas sobre proteção de dados, segurança da informação e resposta a incidentes, está vulnerável. E mais: precisa garantir que o parceiro cumpre essas obrigações. Não adianta confiar no “nome grande” — audite, peça relatórios, revise políticas.
A falha mais comum aqui é a transferência internacional de dados. Muitos provedores armazenam informações em servidores fora do Brasil. E isso só é permitido com base legal explícita. Ou seja: mais um ponto onde o descuido técnico pode virar um problema jurídico.
Compartilhamento interno sem controle de acesso
Outro erro que passa despercebido: o acesso interno. Quando a empresa utiliza soluções em nuvem, é fácil compartilhar documentos com vários setores ou usuários com apenas um clique. Mas… quem audita isso?
Segundo a LGPD, é preciso garantir o acesso apenas a quem realmente precisa das informações — o chamado “princípio da necessidade”. Se qualquer colaborador consegue abrir pastas com dados sensíveis, você está descumprindo a lei.
O ideal é implementar níveis de permissão, autenticação em duas etapas e auditoria de acessos. É mais trabalhoso? Sem dúvida. Mas é a única forma de mostrar que a empresa leva a LGPD a sério. E na hora de um incidente, isso pode fazer toda a diferença para evitar multas.
Ausência de política clara de retenção de dados
Um bom uso de cloud envolve não apenas armazenar, mas também definir o ciclo de vida dos dados. Quais informações serão apagadas após X meses? O que deve ser mantido por obrigação legal? Como e quando os dados serão anonimizados?
Se sua empresa ainda não tem uma política clara sobre isso, o uso da nuvem pode estar alimentando riscos. Sem regras bem definidas, os dados ficam “soltos” — e quanto mais tempo ficam armazenados, maior o impacto de um possível vazamento.
A LGPD exige propósito e prazo. Ou seja, dados só podem ser mantidos pelo tempo necessário para a finalidade informada. O resto é acúmulo perigoso. A boa notícia? Muitos sistemas de cloud já oferecem automações para aplicar essas regras — mas, novamente, é preciso configurar corretamente.
Negligência com incidentes de segurança
Por fim, um erro que pode custar caro: esconder ou demorar para notificar incidentes. Se um dado armazenado na nuvem for acessado indevidamente, você tem prazo legal para informar a ANPD e os titulares. E esse prazo é curto — exige preparo imediato.
Se a empresa não tiver um plano de resposta bem estruturado, com responsáveis definidos, protocolos de investigação e canais de comunicação preparados, pode virar um caos. E acredite: a falta de transparência agrava muito mais a situação do que o incidente em si.
Aliás, nem todo vazamento vem de fora. Muitas falhas acontecem por erro humano, má configuração ou ausência de criptografia. Então, revisar sua estrutura de cloud com esse olhar crítico é algo urgente — e que pode evitar muita dor de cabeça jurídica no futuro.